Sunday, October 12, 2008
Saturday, October 11, 2008
Tuesday, September 30, 2008
Sunday, September 21, 2008
"Homenagem a Arthur Rimbaud" de Carlos Queiroz, António Pedro e Jorge de Sena
Saturday, September 20, 2008
"A Tragédia de IVLIVS CAESAR" de William Shakespeare traduzida, anotada e comentada por Luís Cardim (1925)
Tuesday, September 16, 2008
Sunday, September 14, 2008
Wednesday, August 13, 2008
Carlos Queiroz na "presença"
António Manuel Ferreira
Universidade de Aveiro
1.
Em 1931, Carlos Queiroz publica, no nº 31 da revista Presença, quatro poemas pertencentes, segundo uma nota adicional, ao livro inédito Curva no Espaço. Tal livro nunca foi publicado; mas, em 1933, no nº 39 da mesma revista, surgem mais cinco poemas, acompanhados da seguinte informação: «do livro a publicar Desaparecido». O
Depois dos textos sobre Fernando Pessoa, Carlos Queiroz só voltará a colaborar na Presença mais uma vez, no nº 49, de Junho de 1937, com o longo poema «A Falência das fórmulas». Este facto é relevante porque, como é sabido, os dois poetas iniciam a sua colaboração na Presença precisamente na mesma altura. Na verdade, no nº 5, de Junho de 1927, aparece na revista o texto «Quatro Poemas do retardador», de Carlos Queiroz, o poema «Marinha», de Fernando Pessoa, e ainda um texto intitulado «Ambiente», assinado por Álvaro de Campos. Acrescente-se ainda que, no mesmo número surge também um poema inédito de Mário de Sá-Carneiro («Ápice»), e, para completar o conjunto, o desenho da capa da revista é assinado por Almada Negreiros e é dedicado a Carlos Queiroz.
O poeta de Desaparecido não pertenceu ao Orfeu (em 1915 tinha apenas 8 anos), nem, em rigor, pertenceu à Presença, isto é, ao seu núcleo fundador. No entanto, é Carlos Queiroz quem estabelece a ligação entre as duas revistas, exercendo, como diz David Mourão-Ferreira, o «papel de medianeiro privilegiado entre o grupo do Orfeu e o grupo da Presença, entre os modernistas de Lisboa e os modernistas de Coimbra, entre a primeira e a segunda geração do Modernismo português»1. E, segundo testemunho de João Gaspar Simões, «foi a sua lúcida juventude que lhe permitiu ver mais cedo do que qualquer outro escritor jovem de Lisboa nos escritores jovens da Presença aquilo que os identificava: a coerente modernidade, a desempoeirada visão dos problemas da arte. Com ele viriam os outros e, em parte graças a ele, inclusivamente, Fernando Pessoa e Olavo d’Eça Leal»2.
Sintomaticamente, a morte de Pessoa quase determina o fim das relações de Queiroz com a «folha de arte e crítica». Ainda segundo David Mourão-Ferreira, um dos motivos que contribuíram para o afastamento de Carlos Queiroz prende-se com o facto de o poeta, a partir de 1937, ter iniciado uma importante colaboração com a Revista de Portugal. A quantidade de textos publicados na revista dirigida por Vitorino Nemésio, bem como o «”conflito” que entre as duas publicações se gerou»3 terão sido os principais responsáveis pelo afastamento de Carlos Queiroz e pela consequente impossibilidade de acompanhar a Presença até ao seu derradeiro número, publicado em Fevereiro de 1940. De qualquer modo, num plano mais simbólico, é tentador pensar na morte de Pessoa como um marco no trajecto presencista do poeta, pois ele era, nas palavras do seu amigo José Gomes Ferreira, «admirador idólatra de Fernando Pessoa»4, sendo também «presencista cem por cento, embora com a liberdade de sonho suficiente para não se recusar a exprimir os “ciúmes do futuro” da pequena burguesia agonizante através deste berro que soou pela primeira vez na poesia portuguesa: “invejo-te, operário”»5.
É conhecida a tese de David Mourão-Ferreira, segundo a qual a colaboração de Carlos Queiroz na Presença «será das raras que virão conferir um carácter menos “provincial” e mais equilibradamente desenvolto à produção poética de quase todo o grupo»6. Menos “provincial” será, se relacionarmos o termo com a proveniência geográfica de grande parte dos fundadores da Presença, rapazes de origens “provinciais”, enquanto Queiroz, «lisboeta, tipicamente lisboeta, por pouco “alfacinha”»- conforme o retrato traçado por Gaspar Simões7- representaria o imaginável cosmopolitismo da Lisboa da década de 30. No entanto, no que concerne ao tipo de poesia publicada nas páginas da revista – embora se notem certas particularidades estilísticas conformadoras de um estilo pessoal em evidente construção - não parece haver uma abissal diferença entre a poética de Carlos Queiroz e a dos presencistas mais “provinciais”, nem, sobretudo, uma assinalável divergência em relação aos princípios basilares que configuravam o rumo teórico da Presença. Curiosamente, em Junho de 1944, no nº 1 da revista Litoral, dirigida precisamente por Carlos Queiroz, o primeiro texto, não assinado, constitui uma espécie de carta de princípios, não um «programa», mas uma «Posição», salientando-se algumas linhas de rumo que, de certo modo, se assemelham aos manifestos presencistas de José Régio. Assim, pode ler-se que a revista, «sem abstrair qualquer ordem de questões e interesses profundamente humanos e vitais (...), aplicar-se-á, de preferência, ao estudo e valorização desinteressada dos motivos eternos, dos valores essenciais, dos problemas permanentes»8; e mais adiante pode ainda ler-se que as páginas da revista darão «acolhimento e expansão a produções ficcionistas de Autores portugueses e brasileiros, sem atender a preconceitos de geração ou de escola, mas desde que revelem vocação autêntica, voz própria, e determinado grau de madurez substancial e formal»9. Como se vê, nenhuma destas orientações se distancia dos enunciados presencistas formulados por
2.
No que diz mais directamente respeito à poesia de Queiroz publicada na Presença, é de notar que os poemas mais representativos elaboram os temas maiores do autor: a relação ambígua com o mundo da infância, o peso doloroso de uma memória refractária a qualquer tentativa de concertação voluntariosa, a consciência dorida da condição de poeta como marca eufórica e disfórica, que repele o vulgo profano, mas também diminui as possibilidades de o poeta fazer corpo com a vida, a tendência para um certo ludismo estilístico resultante, por um lado, do jogo de palavras subordinadas ao esquema da figura etimológica e, por outro lado, veiculado pelo processo de associação imagística de teor um pouco surrealizante; a propensão para um tipo de poesia marcada pela concisão epigramática; e finalmente, em conexão com o dúbio fatum de poeta, a amarga dúvida acerca do hipotético poder libertador da palavra poética.
Assim veja-se, por exemplo, o primeiro texto publicado na revista, um conjunto de poemas coordenados pelo título “Quatro Poemas do Retardador”. Chama desde logo a atenção a maneira como os responsáveis pela orientação gráfica da revista – lembre-se que tanto o logótipo da Presença como a generalidade do seu grafismo são em grande medida da responsabilidade de Branquinho da Fonseca – exploram bem as possibilidades óptico-grafemáticas, ao terminarem o desenho do título salientando de forma destacada a sílaba “Dor”, que pode funcionar como uma palavra. O jogo patente no título continua depois no primeiro excerto, nomeadamente na primeira e na terceira estrofes, através de versos como «Um lírio, liricamente», «O luar que o lago alaga», «Lento, lenta, lentamente», exemplos que podem ilustrar um certo investimento na rendibilização das faculdades encantatórias das palavras, uma busca de ritmo e, sobretudo, um visível labor oficinal, cujos resultados, ao nível do rendimento da linguagem poética, não são alheios a outros autores presencistas, embora não constituam uma preocupação central de poetas como, por exemplo, José Régio, cuja poesia, ampla e espraiada, não teme a ocasional rudeza dos versos, nem a dinâmica expansiva das ideias e dos sentimentos mais obsidiantes.
De todos os temas glosados por Carlos Queiroz nos poemas publicados na Presença adquirem especial relevo a visão da infância e a reflexão sobre a poesia; não tanto no sentido metapoético, que surgirá nomeadamente
Mas, voltando aos poemas publicados na Presença, verificamos que a reflexão sobre o destino do poeta não denota ainda esta ironia amarga, havendo apenas um «Epigrama» sobre Camões, cujo alvo é a «douta Academia», uma instituição que, como lembra João Gaspar Simões, se transformou no «bode-expiatório dos dois modernismos – o do Orpheu e o da Presença»12. Nos restantes poemas ganha forma um dos motivos maiores da obra de Queiroz, designado por Fernando Vieira-Pimentel por «confronto entre a vida e a arte»13. Efectivamente, o dissídio existente entre o destino de poeta e o apelo epicurista ao gozo dos frutos terrestres constitui uma linha temática apreensível no conjunto da obra organizada por David Mourão-Ferreira, e delineia-se também em alguns textos “presencistas”. Assim, no poema intitulado “Epigramas a um Poeta que talvez seja Eu”, o registo entre o jocoso e o patético não consegue obliterar a clareza expressiva de afirmações que configuram uma imagem distorcida do poeta: «-Sou poeta! Não tenho vocação/Para a vida onde lidam os vulgares»; «-O menino cresceu; é hoje um homem;/E embora por alguém o tomem,/Quando o vêem passar, dizem: Coitado!/é um poeta, (um aleijado!». Poder-se-ia pensar que versos como este são mera retórica de romantismo enviesado e dessorado, ou então, simples exercício de caricatura. Não creio, no entanto, que seja assim, porquanto, de variadas formas, esta imagem funciona como um tema estruturante do universo poético de Carlos Queiroz. No último poema publicado na Presença, o já referido “A Falência das fórmulas” diz-se que «as palavras não resolvem nada», e nada resolve a inquietação interior, nem «as máximas de Nietzsche», nem «o próprio Goethe», nem os ditos de Sócrates ou as análises de Freud; e quanto à Bíblia, «consola tanto como a água do mar/a quem morre de sede no mar». Por isso, o poeta inveja «aquelas pessoas horrivelmente felizes/a quem tudo acontece/num plano em que não cabe a mais vaga noção/de análise introspectiva». Estamos, pois, perante a pessoana “dor de pensar”; o pensamento entendido como morboso impedimento, que contamina a saudável relação do homem com a vida e o mundo. Em Pessoa, essa ferida inicial é aparentemente cicatrizada pela construção de um universo de palavras;
«Ser simples! Ler a Bíblia; acreditar
que existe o inferno, o purgatório, o céu
-e que tudo está bem no seu lugar
Ser como os outros, a quem Deus não deu
a Poesia por anjo tutelar
e são felizes, muito mais do que eu!»
1 David Mourão-Ferreira, «Prefácio», in Carlos Queiroz, Desaparecido/Breve Tratado de Não-Versificação,
2 João Gaspar Simões, Retratos de Poetas que Conheci, Porto, Brasília Editora, 1974, p. 210.
3 David Mourão-Ferreira, op. cit., p. 12.
4 José Gomes Ferreira, A Memória das Palavras ou o gosto de falar de mim, Lisboa, Portugália, 1972,
5 Id., Ibid., p. 183.
6 David Mourão-Ferreira, op. cit., p. 11.
7 João Gaspar Simões, op. cit., p. 211.
8 Litoral, nº 1, Junho de 1944, p. 7.
9 Ibid., p. 8.
10 Carlos Queiroz, Epístola Aos Vindouros e Outros Poemas, Edição organizada por David Mourão-Ferreira,
Lisboa, Ática, 1989, p. 28.
11 Id., Ibid., p. 131.
12 João Gaspar Simões, op. cit., p.223.
doutoramento policopiada, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1987, p. 480.